sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

Querida Felícia,


Tenho saudades tuas. Sinto-me melhor do que no ano passado mas realmente tens razão não está tudo bem. Existe um barulho ensurdecedor à volta de mim que parecia não ter consequências mas que me está a tornar em alguém que não reconheço como eu. O que se passa é que tal como te aconteceu outrora – espero sinceramente que aí seja mesmo melhor, ou pelo menos que tenhas capacidade de lidar com o que te aparece e não te cause sofrimento – eu tenho muito má vizinhança. Não existe intimidade possível, não conseguimos dormir, tornamo-nos irritados.
Existe um bando que faz sede à nossa porta pois são moradores do prédio e passam o dia e a noite a gabarem-se de façanhas nada honrosas, ora gritando histericamente, ora rindo como hienas, ora ofendendo as supostas namoradas.... Ficamos tão angustiados com esta falta de paz que nos vamos tornando também violentos e o pior é que tenho medo de entrar em minha casa... pois eles enviam-me piropos não dignos e chamam o meu companheiro de homossexual. Nem conseguimos fazer amor de forma fluída tal é a desordem que entra pela nossa janela do quarto ou da sala pois não há silêncio de nenhum lado da casa... Contudo, ninguém nota: a rua de um lado e a praceta do outro parecem sossegadas e os proprietários da casa a quem escrevemos a pedir para nos baixarem a renda, visto a qualidade de vida aqui não existir, nem devem acreditar em nós pois passou um mês e não se dignaram a dar resposta. Temos que sair daqui pois a nossa relação corre perigo: vamos perdendo disponibilidade um para o outro, ele não tem prazer em chegar a casa e eu pareço-lhe agressiva assim como ele a mim, tal é o assédio comunitário que nos assalta.
Sempre quis ser uma entre aquelas que vendo os factos continuasse a ter esperança e continuo a desejá-lo ardentemente mas necessito de uma lufada de ar fresco. Será que tens algum vento – o meu elemento favorito – para me ofereceres?

Obrigada